Prepare-se para um dado alarmante sobre o maior e mais líquido mercado de ações do planeta: a maioria das transações agora ocorre fora da vista pública.
Pela primeira vez na história, mais da metade de todas as transações de ações nos EUA está sendo realizada fora das bolsas, conforme revelado por dados da Bloomberg.
Esse crescente comércio fora da bolsa — que ocorre em ambientes privados dentro de grandes instituições ou em plataformas chamadas “dark pools” — está a caminho de alcançar um impressionante 51,8% do volume total negociado em janeiro. A não ser que assistamos a uma queda súbita, este será o quinto mês consecutivo de recordes e o terceiro mês em que as transações ocultas superam a metade do total.
O que significa tudo isso? Uma mudança significativa no panorama do mercado. Como destacou Anna Ziotis Kurzrok, chefe da estrutura de mercado na Jefferies, essa tendência parece ser uma evolução de longo prazo, possivelmente irreversível.
Embora o comércio fora da bolsa tenha se tornado uma prática comum em Wall Street ao longo dos anos, as bolsas públicas, como a Bolsa de Valores de Nova York e a Nasdaq, mantinham uma posição dominante. Por que isso é relevante? Porque as bolsas oferecem os preços que a maioria dos investidores utiliza para determinar o valor das ações.
Esta transição em direção ao comércio oculto é o resultado de anos de evolução e, se continuar, pode ter profundas implicações sobre o funcionamento do mercado, conforme alerta Larry Tabb, chefe de estrutura de mercado na Bloomberg Intelligence.
“Teoricamente, quanto mais negociações acontecem fora da bolsa, menos ordens competindo na bolsa para definir o melhor preço haverá”, afirma ele. “Isso poderia resultar em uma piora na precificação, tanto na bolsa quanto fora dela.”
A Comissão de Valores Mobiliários (SEC) tem tentado reverter essa movimentação, propondo mudanças para incentivar mais atividade nas bolsas. Contudo, das quatro sugestões apresentadas, apenas duas foram efetivamente aprovadas, relacionadas à forma como as ações são precificadas e como as transações são realizadas tanto na bolsa quanto fora dela.
Atualmente, a ameaça à eficiência do mercado é uma preocupação que ainda parece distante, com 48,2% das transações em janeiro ainda ocorrendo nas bolsas. No entanto, a mudança serve como um sinal claro da transformação que está ocorrendo no mercado.
Kurzrok, da Jefferies, observa que o aumento da atividade fora da bolsa está correlacionado com um crescimento no volume de ações que valem menos de US$ 1, frequentemente negociadas por investidores de varejo. Isso ocorre porque essas operações tendem a ser gerenciadas internamente por grandes empresas de formação de mercado, como Citadel Securities e Virtu Financial.
Quando se exclui as ações de menos de um dólar, a negociação fora da bolsa permanece abaixo de 40% do volume total, conforme os cálculos da Jefferies. Portanto, essa mudança em direção ao comércio não significa, necessariamente, uma deterioração do desempenho em um determinado dia, enfatiza Kurzrok.
Enquanto isso, o número de plataformas alternativas de negociação (ATS) que oferecem métodos discretos para transacionar ações está aumentando.
Esses ATS utilizam diferentes mecanismos para conectar compradores e vendedores sem divulgar preços em uma bolsa pública, ou atuando em leilões automatizados. Esses espaços são vitais para investidores institucionais, pois minimizam a exposição de informações ao mercado, evitando impactos negativos nos preços.
“Esse novo modelo de negociação é inovador”, declara Joe Saluzzi da Themis Trading. “Instituições maiores parecem ter uma experiência mais vantajosa, onde podem obter maiores retornos.”
Em novembro, cerca de 1,7 bilhão de ações por dia foram movimentadas em ATS, o maior volume desde março de 2020, representando um aumento de 36% em relação ao ano anterior, de acordo com uma análise da Bloomberg Intelligence.
Na Nasdaq, a segunda maior bolsa dos EUA, Chuck Mack, responsável por Operações Estratégicas e Políticas Públicas, expressa sua preocupação de que essa mudança em direção ao comércio fora da bolsa possa, a longo prazo, comprometer a eficiência da precificação e elevar os custos para investidores e emissores.
“Em algum momento no futuro, poderemos nos questionar: ‘como chegamos a este ponto?’”, pondera Mack. “É como ferver um sapo. Se você aumentar a temperatura lentamente, o animal não percebe e acaba morrendo sem reagir. O mesmo pode acontecer conosco neste cenário.”

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