A Venezuela está revivendo os dias sombrios da crise econômica de 2019, com apagões recorrentes, inflação galopante registrada em 162% e uma nova crise cambial se avizinhando.
A preocupação generalizada sobre um possível retorno a esses níveis de calamidade está levando empresas e famílias a revisitar rotinas de sobrevivência que foram essenciais durante o período de intensa disfunção econômica, exacerbando a pior crise humanitária do Hemisfério Ocidental em tempos modernos.
Mais de uma dúzia de executivos e empresários, que preferem permanecer anônimos por medo de represálias do governo, revelaram que estão implementando cortes de custos e renegociando contratos com clientes para assegurar um fluxo de pagamentos mais rápido. A repressão do governo, especialmente após a eleição problemática do verão passado, tem gerado um clima de temor.
Fábricas frequentemente interrompidas devido a cortes de energia estão sendo forçadas a adotar turnos noturnos. Varejistas, preocupados com possíveis multas, interrompem a venda de produtos em dólares americanos, evitando a taxa de câmbio do mercado paralelo, que é consideravelmente mais alta.
Angel Alvarado, economista sênior da Universidade da Pensilvânia, observa que “o cenário que todos começam a imaginar é um retorno a 2019”, o que poderia desencadear a desvalorização da moeda, aumento dos preços, queda no consumo e redução dos gastos públicos. “Estamos diante de uma recessão iminente.”
Com o setor privado se preparando para cenários críticos, a postura do governo será crucial para determinar a profundidade da crise econômica que se aproxima.
Apesar de o governo de Nicolás Maduro ter abandonado algumas políticas radicais, como controles de preços e câmbio, ainda mantém um papel interventor, realizando inspeções e aplicando multas. Relatos de empresários indicam uma crescente pressão para que as autoridades flexibilizem as normas econômicas ao invés de reverter as restrições que contribuíram para a inflação desenfreada.
Um retorno a controles econômicos poderia elevar a inflação além dos já alarmantes 162%, conforme registrado por um índice da Bloomberg nos últimos 12 meses até abril. O Banco Central da Venezuela suspendeu a publicação dessa métrica em outubro, após quatro anos de crise.
“Controles de câmbio trazem pobreza; já passamos por isso”, afirmou Adan Celis, presidente da Fedecamaras, principal associação empresarial da Venezuela. “Precisamos de reformas para tornar nossa economia mais saudável.”
O governo Maduro não comentou sobre o atual estado da economia. Apesar de o banco central não divulgar dados regularmente, em um comunicado raro datado de 1º de maio, foi afirmado que o PIB cresceu 9,3% nos primeiros três meses de 2025, superando os 9,1% do mesmo período do ano anterior. O setor petrolífero teve um crescimento de 18,2%, enquanto a mineração cresceu 13,5% segundo a informação divulgada.
Intervenção Estatal
Desde 2019, as sanções severas dos Estados Unidos contra os setores petrolífero e financeiro tumultuaram o acesso da Venezuela a moedas estrangeiras.
As interrupções de energia deixaram a população às escuras por semanas, comprometendo serviços essenciais e paralisando a operação de refinarias, afetando desde hospitais até o transporte público. A escassez de empregos e o fechamento de empresas tornaram-se uma nova realidade.
Inflação Anual Retorna a Três Dígitos
Após quatro anos, Maduro parece ter alcançado certa estabilidade econômica, controlando a hiperinflação e reestruturando a moeda, em grande parte devido ao uso abrangente do dólar americano.
Entretanto, essa recuperação é precária, exacerbada pela pressão crescente do governo Biden, que ameaça submeter a Venezuela a uma recessão pela primeira vez desde 2021.
As sanções à Chevron Corp. para operar no país limitam fortemente a indústria responsável por 90% das exportações da Venezuela. As joint ventures da Petróleos de Venezuela SA injetaram cerca de US$ 2,4 bilhões no mercado oficial no último ano.
A escassez de dólares pode desvalorizar a moeda local, levando os venezuelanos a procurar comprar dólares, resultando em uma queda histórica do bolívar. Para complicar ainda mais, os preços do petróleo caíram 17% neste ano, em meio a uma crescente guerra comercial global.
A previsão do PIB da Venezuela agora é de uma contração de 2,5%, segundo uma pesquisa do Observatório Financeiro realizada em abril, com estimativas que chegam a mais de 4% de queda na produção anual.
Em abril, Maduro decretou uma emergência econômica que lhe dá poder para suspender impostos e oferecer incentivos aos investidores, e, em seguida, nomeou uma nova diretoria do banco central para tentar estabilizar a moeda no mercado negro.
“O governo está se preparando para uma crise de liquidez”, afirmou Luis Vicente León, presidente da consultoria Datanalisis em Caracas. A diferença atual em relação à crise anterior é que o governo Maduro agora tem mais recursos financeiros à disposição.
Antigamente Versus Atualmente
Uma visita ao que um dia foi o próspero corredor industrial da Venezuela parece um retrocesso ao cenário caótico de 2019.
Com racionamento de energia em resposta a uma seca, o governo Maduro impôs um expediente reduzido aos funcionários, diminuindo a carga horária para três dias por semana desde março.
A situação é alarmante, especialmente nos estados de Carabobo e Aragua, onde os cortes de energia são de quatro a seis horas diárias, várias vezes por semana, tornando o cotidiano quase impossível. As empresas enfrentam constantes dificuldades para atender às demandas dos clientes devido à imprevisibilidade dos racionamentos.
Alguns empresários adaptaram os horários de seus funcionários, iniciando turnos antes do amanhecer, mas essa estratégia falhou, devido a preocupações com segurança e a falta de transporte público. Outros estão tentando se ajustar aos horários em que a eletricidade está estável.
As adaptações se tornaram a nova norma, forçando as empresas a improvisar diariamente.
Lições Aprendidas
O que o setor privado solicita do governo Maduro inclui não apenas a flexibilização das restrições bancárias e a melhoria dos serviços públicos, mas também uma redução da carga tributária que recai sobre as empresas.
A escassez crônica de energia e água requer investimentos substanciais, algo improvável nas condições atuais, mas ainda existe a possibilidade do governo liberar recursos para facilitar empréstimos bancários e transações internacionais, aliviando a pressão sobre as empresas.
Ao contrário de 2019, o crescimento econômico está em curso, especialmente no setor privado, e antes da intensificação das sanções, esperava-se uma expansão moderada para este ano de 4% a 6% segundo a Fedecamaras.
O governo também demonstrou habilidade em navegar pela crise, encontrando maneiras de contornar as sanções e comercializar seu petróleo, ainda que a um preço reduzido. A vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, solicitou em abril a autoridades chinesas que aumentassem as compras de petróleo por parte da China, principal cliente do país.
“Os desafios de 2025 não são os mesmos que em 2019 em termos da gravidade da crise esperada”, conclui León. Apesar da ameaça de uma postura agressiva dos EUA, “o governo aprendeu como vender petróleo efetivamente”.

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