Economia
Traders ignoram cortes da Arábia Saudita e os preços do petróleo estagnam
Após anúncio de cortes históricos na produção, traders mostram desinteresse e preços do petróleo continuam na mesma. O que isso significa para o mercado?
Os traders de petróleo estão claramente desconsiderando o que os executivos sauditas têm a dizer, e essa pode ser uma jogada arriscada.
Recentemente, o ministro da Energia da Arábia Saudita, príncipe Abdulaziz bin Salman, anunciou um corte unilateral na produção de petróleo do país em julho, reduzindo-a ao nível mais baixo em mais de dez anos, sem relação com as restrições da era Covid-19. Ele caracterizou essa medida como um “pirulito”.
Embora cortes de produção mais substanciais já tenham ocorrido, o simbolismo dessa decisão é significativo, e o príncipe Abdulaziz deixou em aberto a possibilidade de prolongar essas restrições. Uma série de declarações também indica que seu objetivo é prejudicar os especuladores que apostam em preços menores.
No entanto, o comportamento dos traders está mudando. O aumento imediato nos preços após o anúncio durou apenas um dia. Na última sexta-feira (9), às 17h (horário de Londres), os futuros do Brent estavam em torno de US$ 76 por barril – o mesmo nível que uma semana antes. Para se ter uma ideia, um corte anterior na produção em abril levou menos de um mês para impactar os preços.
Falando em um evento no domingo, o príncipe afirmou que o acordo da OPEP+ deve ser proativo e preventivo. “O mercado físico está nos dando uma mensagem, enquanto o mercado futuro está apresentando outra”, afirmou na Arab China Business Conference, em Riad. “Para entender a OPEP+ hoje, é necessário ser proativo, preventivo e cauteloso.”
Apesar das projeções de que a demanda por petróleo superará a oferta nos meses seguintes, vários fatores têm dado força aos ‘ursos’ do mercado (aqueles que apostam na queda dos preços).
Dois fatores negativos são especialmente preocupantes: primeiro, os embarques de petróleo da Rússia aumentaram, contrariando as expectativas de que as sanções ocidentais os limitariam. Em segundo lugar, há a ansiedade em relação à saúde da economia chinesa, que historicamente sustentou o crescimento da demanda global.
“Sempre existe um nível de incerteza nos mercados de petróleo, e se eu tivesse que apontar a mais crucial, seria a China”, declarou Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (IEA), em entrevista à Bloomberg TV esta semana. “Se a economia chinesa desacelerar ou crescer muito abaixo das previsões, certamente isso poderá gerar um sentimento pessimista.”
No último mês, o Índice de Compras de Manufatura da China caiu para 48,8, abaixo das expectativas e o nível mais fraco desde dezembro, durante as severas restrições da política de Covid zero.
Mesmo com um possível novo impulso econômico, a China poderá ter petróleo suficiente à disposição. Os estoques do país atingiram recordes em dois anos em maio, e diversos traders alegam que os recentes aumentos nos preços do petróleo saudita para a Ásia, junto com os cortes da OPEC+, visam reduzir esses estoques.
Cenário global em crise
Essa situação contribui para uma perspectiva global menos otimista – mas ainda longe de um pessimismo absoluto – em relação à demanda.
Desde janeiro, a IEA – referência para muitos analistas de petróleo – reduziu sua previsão de aumento da demanda entre o segundo e o quarto trimestres em 900.000 barris por dia. Apesar disso, espera um crescimento robusto de 1,8 milhão de barris por dia, embora alguns duvidem que isso possa ser alcançado.
Além da China, há a preocupação com a produção industrial global, que é um indicador da demanda por diesel. Dados do JPMorgan revelam que a manufatura está em contração nos últimos nove meses. Nesta semana, os EUA também cortaram suas previsões para o consumo do combustível.
Essa dinâmica explica, em parte, por que os cortes da Arábia Saudita e seus aliados da OPEP+ estão exercendo menos impacto no mercado.
“O grupo de produtores enfrenta um dilema: a demanda parece mais fraca e a oferta fora da OPEP é maior do que muitos analistas previam para o final do ano”, afirmaram analistas do Citigroup, incluindo Francesco Martoccia. “As previsões da OPEP e da IEA estão envoltas em um certo grau de ilusão no que diz respeito à aceleração do crescimento da demanda.”
Fluxos marítimos em expressiva alta
Os altos fluxos marítimos de petróleo não estão contribuindo para a melhora da situação.
Apesar da queda nos últimos meses, os embarques marítimos observados ainda estão em níveis elevados se comparados a maio de 2022, quando as compras chinesas eram afetadas pelas restrições da Covid.
O rastreamento realizado pela Bloomberg mostra que os embarques da maioria dos exportadores globais aumentaram em 1,13 milhão de barris por dia em relação ao ano passado. As exportações russas, em particular, estão em ascensão, alcançando um recorde de 100.000 barris por dia nas quatro semanas até 4 de junho, conforme dados compilados pela Bloomberg.
Esse contexto resultou em um frio na execução dos cortes de oferta. Os mercados de barris físicos, pelo menos por ora, mostram poucos sinais de um aperto significativo, mesmo com a aproximação do mês em que os cortes da Arábia Saudita começarão a valer. O petróleo bruto dos EUA foi vendido na Europa na taxa mais baixa em um mês. Alguns cortes anteriores de integrantes da OPEP+ tiveram início em maio.
Uma posição arriscada
Apesar de todo esse cenário, não há uma aposta isenta de riscos para os ‘ursos’.
Com o Reino Saudita comprometendo-se a evitar quedas drásticas nos preços, alguns investidores continuam a alimentar esperanças de que o mercado passará por um aperto significativo na segunda metade do ano.
A Unipec da China adquiriu petróleo dos EUA e da Noruega esta semana, um indício de que os movimentos da OPEP+ podem aumentar a concorrência por cargas em outros mercados. A PT Pertamina, da Indonésia, também se lançou à compra de milhões de barris de petróleo da África Ocidental.
A crescente capacidade de refino de petróleo na China e no Oriente Médio sugere uma “escassez estrutural de petróleo a médio prazo”, revelou Saad Rahim, economista-chefe do Trafigura Group, em relatório da empresa desta semana.
A combinação dos cortes de oferta da OPEP+, juntamente com o crescimento da demanda em mercados emergentes, devem resultar em “esvaziamento significativo dos estoques ao fim deste ano”, ressaltou, acrescentando que o shale oil dos EUA pode não ser suficiente para equilibrar o mercado.
Porém, mesmo diante de um possível giro no mercado, o tempo para que isso se reflita ainda pode ser longo, tendo em vista que os traders lutam com um cenário econômico repleto de incertezas e robustos suprimentos que têm pressionado os preços há meses.
“Ninguém se arrisca a fixar preços no atual clima de incerteza macroeconômica”, observou Richard Jones, analista da consultoria Energy Aspects. “No fim das contas, eles aguardam que os mercados físicos se restrinjam quando os cortes começarem a ser implementados.”
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