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Suprema Corte rema contra a maré: acesso à pílula abortiva garantido nos EUA
Depois de anos de batalha judicial, a Suprema Corte reitera direitos reprodutivos ao garantir o acesso à mifepristona, uma questão crítica em um ano eleitoral.
A Suprema Corte dos EUA deu um passo decisivo ao preservar o acesso irrestrito à mifepristona, uma pílula abortiva vital, em um caso que teve implicações significativas para os direitos reprodutivos, especialmente em um ano eleitoral crucial.
O tribunal anulou por unanimidade uma decisão que proibia a venda por correspondência de receitas de mifepristona, que hoje é responsável por mais de 50% dos abortos nos EUA. Essa decisão anterior reduziria a disponibilidade do aborto, mesmo em estados onde os direitos reprodutivos são amplamente apoiados.
O tribunal, no entanto, não ratificou as ações da Food and Drug Administration (FDA) que, desde 2016, vêm flexibilizando as restrições ao uso da mifepristona. A maioria dos juízes argumentou que os médicos e organizações antiaborto envolvidos no processo não tinham “legitimidade” legal, pois não foram diretamente afetados pelas decisões da FDA.
O juiz Brett Kavanaugh afirmou: “Os tribunais federais não são o fórum apropriado para discutir as preocupações levantadas pelos demandantes sobre as ações da FDA. Eles podem e devem apresentar suas objeções durante o processo regulatório.”
Esta decisão marca a primeira deliberação da Suprema Corte sobre temas relacionados ao aborto desde 2022, quando ela anulou a histórica decisão Roe v. Wade, retirando o direito constitucional à interrupção da gravidez. Nas próximas semanas, o tribunal examinará a capacidade de médicos em estados com leis restritivas de realizar o aborto em situações que coloquem a saúde da mãe em risco.
Diferentemente da decisão de 2022, que expôs a divisão interna do tribunal, neste caso, os juízes se uniram em torno de uma questão processual importante.
A FDA já havia ampliado o acesso à mifepristona com diversas etapas, incluindo a eliminação em 2021 da necessidade de consultas médicas físicas para os pacientes. Além disso, a FDA aumentou o período em que a pílula pode ser prescrita até a décima semana de gravidez, estendendo o prazo anterior em três semanas, e diminuiu a dosagem de 600 mg para 200 mg.
Embora a FDA não tenha respondido imediatamente a pedidos de comentário, advogados que representam médicos argumentam que têm o direito legal de processar, pois frequentemente atendem mulheres que necessitam de cuidados emergenciais após uso da mifepristona.
Kavanaugh refutou essa alegação, afirmando que a legislação nunca permitiu que médicos contestassem decisões governamentais sobre segurança pública apenas pela possibilidade de apliquem a carecer de cuidados médicos subsequentes.
Desafio Estadual
A nova decisão abre uma lacuna para que opositores da mifepristona possam se aventurar em novos processos. Após a aceitação do caso pela Suprema Corte, o juiz distrital dos EUA, Matthew Kacsmaryk, sugeriu que estados liderados pelo Missouri poderiam tentar intervir judicialmente para reforçar esse desafio, alegando que possuem legitimidade para processar, mesmo que médicos não o façam.
Fatima Goss Graves, presidente e CEO do National Women’s Law Center, declarou que o caso ilustra o resultado de uma estratégia deliberada de grupos extremistas em nomear juízes que cumpram suas ordens.
“Estamos cientes de que isso pode ser apenas um adiamento temporário, enquanto outros opositores ao aborto aguardam uma nova oportunidade para atacar a mifepristona”, afirmou ela. “Continuaremos lutando para que nós, e não tribunais ou extremistas antiaborto, possamos decidir sobre nossos corpos, vidas e futuros.”
Frank Pavone, diretor nacional do Priests for Life, criticou a decisão por não responder ao que ele chamou de pressão indevida da “indústria do aborto” sobre a FDA.
“É inaceitável que a outra parte acredite que ninguém pode contestar as ações da FDA nesse contexto”, disse Pavone. “Eles certamente podem e o farão.”
O Tribunal de Apelações do 5º Circuito, conhecido por sua orientação conservadora, argumentou que a FDA desconsiderou preocupações de segurança ao implementar suas alterações.
Kacsmaryk foi ainda mais longe ao suspender a aprovação da FDA de 2000 e proibir o medicamento totalmente. O 5º Circuito considerou o questionamento à aprovação inicial como tardio.
No ano passado, a Suprema Corte emitiu uma ordem de emergência que garantiria que a mifepristona continuasse disponível até que o caso fosse finalizado.
O caso contrapunha o governo Biden à Alliance Defending Freedom, um grupo jurídico cristão que desempenhou um papel crucial em esforços anteriores para desmantelar Roe. O fabricante da mifepristona, Danco Laboratories, defendeu o uso do medicamento durante a disputa legal.
A Danco afirmou em um comunicado: “Ao rejeitar essa interpretação radical e insustentável do Quinto Circuito sobre legitimidade para processar, os juízes reafirmaram princípios fundamentais do direito administrativo. Essa decisão também sustentou a estabilidade no processo de aprovação de medicamentos, que é baseado na experiência da FDA e no qual confiam pacientes, profissionais de saúde e a indústria farmacêutica nos EUA.”
A mifepristona é utilizada em um regime de duas pílulas para interrupção da gravidez e tratamento de abortos espontâneos, sendo a segunda pílula, o misoprostol, que também pode ser administrada isoladamente para este propósito.
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