Um detalhe perturbador encontrado nas mais de 1.000 páginas do pacote fiscal que o presidente Donald Trump tenta passar no Congresso está alarmando Wall Street e analistas de mercado. Trata-se da Seção 899, chamada de “Aplicação de Medidas Contra Impostos Estrangeiros Injustos”, que promete trazer sérias consequências.
Essa seção possibilita o aumento das alíquotas de impostos para indivíduos e empresas de países que os EUA consideram ter políticas fiscais “discriminatórias”. Isso significa que investidores detentores de trilhões de dólares em ativos americanos poderão ter suas taxas sobre rendimentos passivos, como juros e dividendos, elevadas substancialmente.
Com uma linguagem disfarçada, essa medida tem uma implicação clara: caso aprovada, poderá afastar ainda mais investidores estrangeiros. Afinal, a confiança deles em ativos norte-americanos já foi abalada por políticas comerciais instáveis do governo e pela deterioração das contas fiscais.
“O mercado já não estava atraente para os investidores estrangeiros. Agora, com essa nova medida, é apenas mais um motivo para se afastarem”, afirmou Michael Brown, estrategista da Pepperstone Group. Ele alertou que não só investidores institucionais, como fundos soberanos, mas também pequenas empresas e cidadãos comuns com investimentos nos EUA poderão ser afetados.
A Seção 899 não faz parte apenas da agenda comercial robusta de Trump, atualmente em disputa judicial, mas reflete uma tentativa de enfrentar o que muitos veem como tratamento injusto dado pelos EUA a outros países. Com a introdução desse novo imposto, países como Canadá, Reino Unido e França estão na mira, especialmente aqueles que impõem taxas a gigantes da tecnologia.
Se aprovada, essa legislação elevaria as alíquotas do imposto federal sobre rendimentos passivos obtidos por investidores desses países, começando com um aumento inicial de cinco pontos percentuais, escalando até 20 pontos. Quando analisada, a Seção 899 pode ter um efeito devastador sobre o mercado de títulos e o valor do dólar.
‘Preocupante’ para Títulos e Dólar
Os economistas do Morgan Stanley já incorporaram essa questão em suas avaliações, comentando que a Seção 899 poderia enfraquecer o dólar e impactar ações em mercados europeus. Gilles Moec, do AXA Group, concorda que isso pode pressionar ainda mais as taxas de juros, que já estão nas máximas em anos.
“É preocupante, pois pode limitar a nova demanda estrangeira e isso certamente pressionaria o dólar”, observou Rogier Quaedvlieg, economista sênior do ABN Amro.
Os riscos dessa medida se tornam ainda mais severos diante da decisão judicial que bloqueou várias tarifas de Trump. Sem essa fonte de receita, surge a dúvida de como financiar os cortes tributários em jogo.
Às vezes, a medida parece alinhada a algumas propostas de Stephen Miran, que sugeriu taxas sobre investidores estrangeiros em títulos do Tesouro para amaciar a demanda e fortalecer a situação econômica interna dos EUA. Economistas da Gavekal Research indicam que a estratégia pode ser uma ferramenta de negociação, mas sua mera existência é potencialmente desestabilizadora para o mercado.
O que Dizem os Estrategistas
“Os investidores precisam se preparar para mudanças fiscais que podem reduzir a demanda por ativos americanos à medida que a incerteza se intensifica” — Michael Ball, estrategista.
Atualmente, a resposta do mercado à Seção 899 está contida, mas a realidade é que ativos americanos têm apresentado baixo desempenho neste ano. O S&P 500 teve um ganho modesto de 0,4%, enquanto índices internacionais, como o alemão e o de Hong Kong, subiram substancialmente. Os títulos do Tesouro dos EUA renderam apenas 2%, contrastando com ganhos de 5% em outros títulos globais na mesma moeda.
Sob a Superfície
A Seção 899 provavelmente permanecerá no pacote final de reconciliação no Senado, tendo o apoio da maioria republicana, de acordo com a Signum Global Advisors. Embora exista receio de que ela desestimule investimentos estrangeiros, a visão prevalente é de que o apetite para investir nos EUA continua forte.
Charles Myers e Lew Lukens da Signum acreditam que a perspectiva do presidente é de que há um grande interesse estrangeiro em investir que não seria facilmente desviado. No entanto, para Michael Brown da Pepperstone, a verdadeira natureza preocupante da cláusula talvez só agora comece a ser plenamente reconhecida no mercado.
“Com o tempo, as pessoas começam a perceber que há aspectos ocultos nesse projeto que merecem uma análise mais profunda”, concluiu Brown. “E a Seção 899 é, sem dúvida, um deles.”

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