O primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, fez uma declaração audaciosa após o seu governo sofrer um revés histórico nas eleições para a câmara alta, realizadas no último domingo (20). Ele afirmou que permanecerá no cargo, apesar da queda significativa de sua coalizão, que pode desestabilizar ainda mais os mercados.
O Partido Liberal Democrata (PLD) e seu histórico parceiro, o Komeito, perderam a maioria na câmara alta — uma notícia que a emissora NHK destacou como a primeira vez desde 1955 que um líder do PLD governará sem uma maioria clara em pelo menos uma das casas legislativas.
A situação é grave. Esta é a segunda derrota eleitoral para Ishiba desde que assumiu o cargo em outubro passado. Embora a coalizão ainda mantenha pelo menos 46 cadeiras, a pressão é imensa. Ao ser questionado, ele reafirmou: “Isso mesmo”, em resposta à pergunta sobre sua vontade de continuar.
“Carrego responsabilidades importantes, como garantir crescimento salarial acima da inflação e atingir um PIB de um quatrilhão de ienes”, declarou Ishiba, enquanto observava o descontentamento popular crescente, que não apenas prejudicou sua coalizão, mas também beneficiou partidos emergentes que prometem cortes de impostos.
A perda de mais de 16 cadeiras pela coalizão é alarmante. A desconfiança dos eleitores em relação à administração do primeiro-ministro é palpável, especialmente em um cenário onde o custo de vida só aumenta e as opções populistas surgem como uma alternativa viável. As preocupações em relação a uma possível fraqueza em sua liderança levam investidores a temer concessões à oposição, como cortes no imposto sobre vendas.
Após os resultados, o iene apresentou um leve aumento de 0,5%. No entanto, a ansiedade dos investidores é visível, uma vez que os mercados de ações estarão fechados devido a um feriado nacional no Japão.
A fragilidade da liderança de Ishiba poderá dificultar sua agenda e até mesmo minar seu cargo, algo que já atingiu os últimos três primeiros-ministros do PLD que encararam uma situação semelhante, sendo forçados a renunciar em menos de dois meses, incluindo o caso do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, em 2007.
A oposição, dividida entre uma miríade de partidos, parece incapaz de formar uma alternativa estável, movendo-se lentamente para a fragmentação. Isso sugere que, apesar do cenário caótico, o PLD deve continuar a governar por meio de acordos pontuais, evitando uma moção de desconfiança.
Entretanto, os resultados refletem uma desconexão alarmante entre os partidos tradicionais e os jovens eleitores urbanos, que questionam a relação entre bem-estar social e impostos, além de mostraram ceticismo em relação ao aumento de trabalhadores estrangeiros no Japão.
A queda significativa do suporte aos partidos tradicionais é um sinal claro de mudança, conforme observa Yuri Kono, professor de Direito da Universidade Hosei. “Isso pode ser o início de uma verdadeira revolução na política japonesa”, declarou.
A insatisfação com o crescimento econômico e a insistência em soluções de curto prazo como os subsídios governamentais estão gerando uma pressão crescente sobre Ishiba, enquanto partidos que defendem cortes no imposto sobre vendas estão capitalizando essa insatisfação.
O Partido Democrático Constitucional (CDP), principal da oposição, conquistou o segundo lugar com mais de 20 cadeiras, defendendo a isenção do imposto sobre alimentos. O crescimento do populista Partido Democrático para o Povo, que passou de quatro para 16 cadeiras, também indica uma mudança no panorama político.
Yoshihiko Noda, líder do CDP, considera a possibilidade de propor uma moção de desconfiança após uma coletiva de imprensa esperada para segunda-feira. A situação política está se tornando cada vez mais imprevisível, e a câmara alta, embora menos poderosa, pode atrasar ou bloquear legislações importantes.
Desafio imenso à frente
Historicamente, a câmara alta já bloqueou nomeações quando crises maiores se apresentaram. Em 2008, com a crise financeira global em ascensão, a câmara impediu a escolha do governador do Banco do Japão.
A necessidade de fechar acordos com os EUA em questões comerciais, antes que tarifas sobre exportações subam de 10% para 25%, cria um clima tenso. Especialistas como Chihiro Okawa, professor da Universidade de Kanagawa, alertam que a continuidade de Ishiba é uma missão complexa sob as atuais circunstâncias.
“Escolher quem tomará a frente neste momento é como tentar ‘tirar castanhas do fogo’ — uma tarefa arriscada e indesejada”, conclui. “Ninguém em sã consciência gostaria de assumir um papel tão delicado.”

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