A New Realm Brewing Co., com sede em Atlanta, sempre se mostrou ágil ao se adaptar às mudanças nas preferências de seus consumidores. Apenas quatro anos após sua fundação, em 2021, a empresa inaugurou uma destilaria e introduziu uma série de coquetéis prontos para beber em latas. No mesmo ano, lançaram a AlphaWater para atender à crescente demanda por hard seltzers. Em 2023, a inovação continuou com a introdução de uma IPA não alcoólica.
Porém, foi em fevereiro de 2025 que a New Realm desafiou suas próprias convicções com uma nova linha de bebidas: as gaseificadas com THC, Higher Realm e Liquid Weed. O tetrahidrocanabinol (THC), a substância psicoativa chave da cannabis, tornou-se o foco central desta nova oferta.
Graças a uma brecha regulamentar criada pelo Congresso sete anos atrás, essas bebidas estão agora sendo vendidas legalmente em lojas de bebidas alcoólicas e online a nível nacional — e, sim, elas proporcionam efeitos psicoativos.
Essa nova categoria compete com a cerveja artesanal por um espaço nas prateleiras, o que coloca vários pequenos cervejeiros em uma posição delicada: devem ou não entrar nesse mercado crescente?
“Refletimos profundamente sobre a adequação dessa decisão para nós e nosso negócio”, afirmou Mitch Steele, mestre cervejeiro e cofundador da New Realm. Explorar além da cerveja e do malte significaria enfrentar novas questões regulatórias e legais, especialmente considerando que possuem taprooms em diversos estados. O declínio contínuo nas vendas de cerveja e a mudança nas preferências dos jovens, que buscam alternativas mais saudáveis, acabaram inclinando a balança.
As bebidas com THC geralmente possuem menos calorias e açúcar que as alcoólicas, e, em geral, não causam ressacas, o que se alinha perfeitamente com as atuais tendências de bem-estar. “Somos principalmente uma empresa de cerveja, mas queríamos oferecer uma alternativa para clientes que não consomem álcool”, explicou Steele.
As bebidas Liquid Weed e Higher Realm estão disponíveis em doses de 2 mg e 5 mg de THC, nos sabores Blueberry e Orange Crush. Para efeito comparativo, um cigarro de maconha médio contém cerca de 12 mg de THC. Steele mencionou que os packs com quatro latas de 12 oz, vendidas a US$ 18, têm uma demanda constante em cinco taprooms da New Realm, mesmo com o preço ligeiramente superior ao das cervejas tradicionais (que variam entre US$ 11 e US$ 14).
A Brecha Regulamentar
O crescimento das bebidas com THC remonta ao Federal Farm Bill de 2018, que tinha o objetivo de auxiliar a agricultura e a alimentação, mas que furtivamente legalizou o cânhamo — cannabis com menos de 0,3% de Delta-9 THC em peso seco. Essa nuance na regulamentação permitiu que empresas extraíssem e concentrassem THC do cânhamo de maneira legal, mesmo que o produto final tenha efeito intoxicante.
Até meados de maio, 24 estados permitiram explicitamente a venda de certas bebidas com THC derivadas do cânhamo, desde que não sejam sintetizadas; 10 estados impõem limites de potência; e 11 proibiram totalmente. Fechar essa brecha é um dos tópicos mais controversos no próximo Farm Bill (que é renovado a cada cinco anos), cuja aprovação está sendo adiada por disputas políticas. O prazo para a validade da lei de 2018 expira em 30 de setembro e qualquer nova legislação para regular a questão do cânhamo será necessária para mudar sua situação legal.
As vendas de bebidas com THC derivadas do cânhamo já superaram aquelas originadas da maconha, segundo Kenneth Shea, analista da Bloomberg Intelligence. Se não houver regulamentação, essa categoria pode atingir US$ 5 bilhões até 2028, um crescimento exponencial em relação a 2024.
Apesar de existirem bebidas de cannabis rigorosamente regulamentadas, que derivam diretamente da planta de maconha, essas nunca conseguiram ganhar tração no mercado. “As pessoas não iam aos dispensários comprar bebidas, mas sim flores ou vaporizadores”, explicou Shea. Agora, com a legalização das bebidas de cânhamo em nível federal, elas podem ser encontradas em lojas comuns, muitas vezes posicionadas ao lado da cerveja. Essa rápida transição está superando a capacidade de resposta dos reguladores.
“Não acredito que o Farm Bill será renovado tão cedo, pelo menos em um ou dois anos”, disse Shea. “Enquanto isso, esse pode ser um negócio multibilionário. É impossível devolver o gênio para a garrafa.”
Maior Competição
A cannabis legal sempre foi um concorrente para cervejarias, destilarias e vinícolas. Mas, ao contrário de comestíveis ou cigarros de maconha, que se distanciam do segmento de bebidas alcoólicas, as novas bebidas com THC são vendidas em latas, muito semelhantes à cerveja. Novas regulamentações em Minnesota permitiram a venda dessas bebidas nos mesmos pontos de venda que a cerveja.
“Embora o THC não concorra diretamente com as mesmas ocasiões de consumo, ele compete por espaço físico nas prateleiras”, analisou Bart Watson, presidente e CEO da Brewers Association, a entidade que representa pequenos cervejeiros independentes, ainda sem uma posição clara sobre essa mudança. “Alguns cervejeiros são contra por princípios, mas até mesmo alguns que estão na indústria reconhecem isso como uma ameaça, e por isso estão entrando nessa nova arena.”
Jim Koch, fundador da Boston Beer Co., a segunda maior cervejaria artesanal dos EUA, comentou em uma teleconferência de resultados em 25 de fevereiro, sem tomar uma posição firme. “É muito cedo para avaliar o impacto no consumo de cerveja, mas é uma ameaça muito mais séria do que a maconha já foi. Você encontra essas bebidas na Total Wine e nas lojas de bebidas, disputando espaço ao lado da cerveja, e isso é inédito.”
As projeções apontam que até 2027, as vendas de cerveja podem cair para 36% do mercado de bebidas alcoólicas nos EUA, comparado a 45% em 2017, de acordo com a Bloomberg Intelligence.
Interesse da Indústria de Cannabis
As empresas de cannabis também estão entrando na competição. Em fevereiro, a Trulieve Cannabis Corp. lançou uma bebida chamada Onward, feita com THC derivado do cânhamo, que é vendida online e enviada para estados onde é legal, além de estar disponível em locais como a Total Wine e a ABC Fine Wine & Spirits. Um segundo produto, Upward — uma bebida energética com CBD, THC e cafeína — está previsto para ser lançado em junho.
O Upward terá um preço de varejo entre US$ 19 e US$ 21 por quatro unidades, dependendo da concentração, e será vendido em sabores como limonada com 5 mg de THC, pêssego nectarina, chá de morango e limonada rosa com 10 mg.
“Estamos conversando muito com pessoas que nunca experimentaram cannabis antes, que estão curiosas ou já tiveram experiências esporádicas e buscam substituir ou complementar o consumo de álcool por um produto de cannabis”, disse Kim Rivers, CEO da Trulieve, em uma teleconferência de resultados da empresa em maio.
Outros produtores de cannabis dos EUA e Canadá que estão vendendo bebidas com THC derivadas do cânhamo nos EUA incluem Tilray Brands, Organigram e Curaleaf Holdings. Esta última, em abril, inaugurou uma loja exclusiva de cânhamo em West Palm Beach, Flórida. Nomeada Hemp Company, a loja vende pacotes com quatro latas de seltzers Zero Proof da marca Select, com 2,5 mg ou 5 mg por lata, a US$ 21,99, além de bebidas energéticas FormulaX com 10 mg em sabores como Glacial Melt e Rocket Pop, ao custo de US$ 24,99.
Dilemas Éticos
Enquanto isso, os cervejeiros enfrentam uma pressão crescente para decidir se devem entrar ou se manter à margem desse mercado em crescimento. O dilema não se resume apenas a investimentos financeiros — para aqueles que já possuem equipamentos de produção e embalagem, a transição para o THC é relativamente direta, contanto que superem os desafios regulatórios — mas levanta questões filosóficas e éticas.
Alguns produtores de bebidas ainda vêem a maconha sob uma luz negativa. “Conversei com pessoas que são ideologicamente contra isso”, diz Alec Travis, membro do conselho da Iowa Brewers Guild e co-proprietário e diretor de bebidas da Field Day Brewery. “Embora reconheçam a inteligência empresarial por trás disso, ainda possuem um sentimento negativo sobre a cannabis.”
Por outro lado, Travis e seus parceiros não compartilham dessas reservas. Em 2024, a Field Day lançou a Day Dreamer Cannabis Sparkling Water como uma marca independente. Com preços que variam de US$ 14,99 a US$ 24,99, dependendo dos níveis de THC, as vendas têm sido “constantes”, de acordo com Travis. Os produtos estão disponíveis em mais de 100 lojas Fareway Grocery em Iowa, com novos sabores em desenvolvimento, incluindo opções de 2 mg de THC como Lemon Ginger e Strawberry Citrus, além do premiado Blueberry Lavender (Nightcap) com 4 mg.
“Vimos isso como uma oportunidade de alcançar novos mercados e educá-los sobre a nossa cerveja”, afirma Travis. Ele, assim como muitos outros cervejeiros que adentraram o universo do THC, aguarda um desfecho positivo, sem surpresas indesejadas por parte do governo.
“Estamos nos preparando para mais ou menos regulamentação — ou até mesmo para a possibilidade de que tudo desapareça rapidamente.”

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